Um século antes do edito de Milão, cristãos e pagãos praticaram uma tolerância recíproca – salvo, de quando em quando, algumas pedradas lançadas contra as janelas dos respectivos templos. Santo Agostinho nos oferece um vivaz relato disso em suas Confissões. Tal sucedeu principalmente na África dos procônsules.

Na Gália, a situação era melhor. Honorato, natural da Lorena, pôde abraçar pacificamente a religião cristã sem que para isso precisasse romper as velhas amizades pagãs. E, após uma breve experiência monástica no Oriente, teve a boa ideia de introduzir o monaquismo na ilhota mediterrânea de Lérins, a qual se tornaria um importante centro de vida religiosa e de espiritualidade para todo o Ocidente, uma verdadeira forja de santos, como se pode verificar ao percorrer estas páginas, a começar pelo santo deste dia, “seduzido” durante uma visita que fizera ao mosteiro para se encontrar com o tio Honorato.

Hilário, nascido na Gália belga (atual Lorena), de uma nobre família de origem grega, estudara filosofia e retórica e obtivera depois uma posição de destaque na administração do império.

“Feliz o Estado no qual os filósofos governam e os reis filosofam”, disse Platão. Filósofo pagão, Hilário era um espírito aberto e se deixou conquistar pelo revolucionário estilo de vida dos monges. Fez-se batizar, deixou seus bens ao irmão e tornou-se monge no mosteiro do tio Honorato. E quando o abade se tornou bispo de Arles, Hilário acompanhou-o como secretário.

Quando Honorato faleceu, Hilário, a contragosto, sucedeu-lhe na sede episcopal. Tentara, de fato, esquivar-se dessas altas funções voltando às escondidas, durante a noite, ao mosteiro de Lérins.

Na verdade, foi um excelente bispo; conseguiu harmonizar as exigências de uma bem-sucedida administração da diocese – característica de um bom ex-funcionário do império – com o ideal de vida religiosa, consoante o espírito da inovadora experiência monástica.

Impeliu, com efeito, o clero a viver em comunidade; construiu novas igrejas e mosteiros. Presidiu um concílio em Vienne e depôs Quelidônio, bispo de Besançon, que recorreu ao papa Leão Magno. O pontífice repreendeu Hilário por excesso de zelo, e ele aceitou seu rebaixamento da dignidade de metropolita para a de simples bispo. Sua sepultura é até hoje venerada na igreja de Santo Honorato.